Poucas vezes a Rede Globo conseguiu me surpreender. Perdão. Várias vezes já fiquei estupefato com o nível de imbecilidade e de alienação emanado pelo brilho hipnótico de seus programas. Quis me referir a ser surpreendido por algo realmente bom. Algo que me cativasse à poltrona por um motivo mais nobre do que não ter nada para fazer, por exemplo.
Bueno, foi aí que descobri Queridos Amigos. Confesso que as minisséries globais nunca me despertaram muito interesse. Eram repletas de pretensas verdades e aberrações históricas. Mas essa, não. Sua sensibilidade lírica, o subjetivismo de suas interpretações e o caráter imperfeito de todas as suas personagens me deixaram surpreso. No primeiro capítulo, pensei estar no canal errado. Mas a telinha marcava insistentemente o número 12 no canto inferior direito (sim, eu integro a massa dos que possuem televisão aberta). Era a primeira vez que meus inexperientes ouvidos captavam palavras como “ditadura”, “redemocratização” e “repressão” saindo daquela freqüência. Daquele canal. Conferi de novo e lá estava o onipresente número 12.
Queridos Amigos consegue retratar uma época de enormes incertezas, a frágil transição para os anos 90, de uma maneira livre de estereótipos e sem dar voz a tão propagados mitos nacionais. Afinal, era praticamente o fim de uma era. O fim de muitos sonhos e o começo de algumas conquistas – poucas e falhas. E a minissérie mostra esse panorama sem reavivar pré-conceitos ou impor verdades absolutas.
Ontem, quando finalmente não tinha nem Pedro Bial e seus heróis, nem qualquer jogo do raio-que-o-parta contra o atlético-sei-lá-das-quantas, pude finalmente acompanhar de novo os anseios de Léo e companhia. Uma cena, em especial, me deixou vidrado. Alucinado em frente à tela. Sequer deveria ter piscado. Fernanda Montenegro, travestida de mãe de uma vítima da ditadura, colocava-se, por vontade própria, cara a cara com o algoz de sua filha, que ainda apresentava feridas psicológicas de um período de terror. Encarnada em dona Iraci, ela puxou um livro e leu para o carrasco, conhecido como “nenê”, as inenarráveis brutalidades escritas por sua filha. Confissões exorcizantes de males que a alma não descarta e que o tempo não relega aos confins do esquecimento. Ao rebater que “só cumpria ordens”, o torturador/estuprador levou uma bofetada na cara!
Vocês conseguem imaginar isso? Conseguem imaginar a ira de uma senhora de 70 e poucos anos que se atreve a esbofetear um homem capaz das piores atrocidades? Talento de Fernanda ou pieguice minha, eu pude sentir cada gota de rancor, mágoa e sofrimento destilada pelas palavras da atriz. O tabefe me fez dar um salto do sofá. Aquela mãe declamando selvajarias aos berros contra o demônio de sua cria pode até ser ficcional. Uma farsa encenada e cronometrada. E, por mais absorto que eu estivesse, ainda tinha consciência disso.
Bueno, foi aí que descobri Queridos Amigos. Confesso que as minisséries globais nunca me despertaram muito interesse. Eram repletas de pretensas verdades e aberrações históricas. Mas essa, não. Sua sensibilidade lírica, o subjetivismo de suas interpretações e o caráter imperfeito de todas as suas personagens me deixaram surpreso. No primeiro capítulo, pensei estar no canal errado. Mas a telinha marcava insistentemente o número 12 no canto inferior direito (sim, eu integro a massa dos que possuem televisão aberta). Era a primeira vez que meus inexperientes ouvidos captavam palavras como “ditadura”, “redemocratização” e “repressão” saindo daquela freqüência. Daquele canal. Conferi de novo e lá estava o onipresente número 12.
Queridos Amigos consegue retratar uma época de enormes incertezas, a frágil transição para os anos 90, de uma maneira livre de estereótipos e sem dar voz a tão propagados mitos nacionais. Afinal, era praticamente o fim de uma era. O fim de muitos sonhos e o começo de algumas conquistas – poucas e falhas. E a minissérie mostra esse panorama sem reavivar pré-conceitos ou impor verdades absolutas.
Ontem, quando finalmente não tinha nem Pedro Bial e seus heróis, nem qualquer jogo do raio-que-o-parta contra o atlético-sei-lá-das-quantas, pude finalmente acompanhar de novo os anseios de Léo e companhia. Uma cena, em especial, me deixou vidrado. Alucinado em frente à tela. Sequer deveria ter piscado. Fernanda Montenegro, travestida de mãe de uma vítima da ditadura, colocava-se, por vontade própria, cara a cara com o algoz de sua filha, que ainda apresentava feridas psicológicas de um período de terror. Encarnada em dona Iraci, ela puxou um livro e leu para o carrasco, conhecido como “nenê”, as inenarráveis brutalidades escritas por sua filha. Confissões exorcizantes de males que a alma não descarta e que o tempo não relega aos confins do esquecimento. Ao rebater que “só cumpria ordens”, o torturador/estuprador levou uma bofetada na cara!
Vocês conseguem imaginar isso? Conseguem imaginar a ira de uma senhora de 70 e poucos anos que se atreve a esbofetear um homem capaz das piores atrocidades? Talento de Fernanda ou pieguice minha, eu pude sentir cada gota de rancor, mágoa e sofrimento destilada pelas palavras da atriz. O tabefe me fez dar um salto do sofá. Aquela mãe declamando selvajarias aos berros contra o demônio de sua cria pode até ser ficcional. Uma farsa encenada e cronometrada. E, por mais absorto que eu estivesse, ainda tinha consciência disso.
Entretanto, tão logo vieram as propagandas, surpreendi-me num choro súbito. Pranto de almas férteis que sentem pelos outros, sentia como se fosse eu o protetor de uma filha torturada. As lágrimas escorriam e me faziam pensar nas verdadeiras Iracis. Nas mães que viram seus filhos estropiarem-se por uma causa perdida. Por um idealismo desbundado ou por uma porralouquice desvairada. Teriam elas, também, iracundas leoas que zelam pela sua prole, deitado o peso de suas mãos na cara dos inimigos de uma geração?
Pode parecer besta, irrisório e, até mesmo, infantil. Mas eu dediquei aquele inesperado e incontido choro a todas as Iracis do Brasil. Pessoas que, com um pequeno ato de extrema coragem, deixaram uma marca em quem banhou este país de sangue, em qualquer época. Gente que teve a audácia de apontar o dedo para os “nenês” que circulavam, e que ainda circulam, livremente pelas ruelas e avenidas brasileiras.
*Passado esse momento de introspecção e angústia, dei-me conta do ridículo da situação: nunca poderia crer que um dia a Globo me faria chorar por um motivo desses.