domingo, 9 de novembro de 2008

A segunda vez dói menos

Alguns momentos da vida já estão preparados. Há um certo entrelaçamento de idéias, fatos, sentidos que dão forma ao exato instante do agora. Do agora enquanto escrevo este texto, do agora enquanto você lê. E não estou propagando misticismo descabido. Depois de ser assaltado pela segunda vez, o elo misterioso de que falei descortina-se com mais leveza.

A gente tinha que estar ali. Não havia conjuntura possível que nos fizesse não estar ali, aguardando pelos assaltantes, como se recebêssemos ordens expressas para tanto. Se tivéssemos ficado mais dois minutos na festa, se tivéssemos feito outro trajeto, se tivéssemos aguçado os ouvidos. Se. Se. Se.

Mas é exatamente disso que estou falando. Dessa maquinação subliminar para que as coisas aconteçam. Desse mandamento cruel que faz com que percamos o controle aparente sobre nosso livre-arbítrio. Indo mais adiante na teoria e avançando na sabedoria popular: era para ter acontecido. Não há outra explicação para a surpreendente abordagem dos dois elementos, da qual nem o relógio que me orienta no espaço há 9 anos escapou ileso. Na qual meus bolsos foram violados por mãos sediciosas e a impotência tomou conta da vontade. De sair correndo. De dar uma de Jeniffer Lopez para Nunca Mais passar por isso. DE ter superpoderes. De viver em um mundo melhor. (perdão pelo clichê, mas o estado.emocional bloqueia algumas regras textuais).

O certo é que, indo por outro dito, a segunda vez dói bem menos. Tirando o nervosismo de estar lidando com um ser humano fora de controle, que entoa um coro repleto de ameaças e, talvez, não hesitasse em concretizá-las, a situação estava sob controle. Era um contrato simples e já conhecido por milhões de brasileiros: fica quieto, entrega e sai. O curioso foi a movimentação de gangues (?) ao redor e a ameaça de um tiroteio (??). Foi tudo muito rápido, mas logo os meus assaltantes (que meigo, já até uso pronomes possessivos) começaram a berrar contra três caras que vinham do outro lado. Esses, por sua vez, ameaçaram “furar” eles e eu e meu amigo no meio disso tudo. Um momento muito Acerola-e-Laranjinha-na-Cidade-de-Deus. Tudo isso sob o sol incipiente das SETE DA MANHÃ. Arrisco dizer, ainda, que uma platéia complacente de pessoas que estavam na para de ônibus assistia a tudo com apatia.

Não chorei depois. Não me desesperei e não procurei culpados desta vez. E esse texto fica assim mesmo, sem final, porque tenho que ir agora comprar um celular.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Tietagem e alfinetadas na palestra. Ou de quando descobri que posso ser um criminoso.

O que mais me marcou na palestra do Caco Barcellos foi que o brasileiro, contrariando minhas teorias, não perdeu a capacidade de protestar. De ser tenaz, arguto, provocador e alfinetante. Tudo bem que o público era composto de estudantes universitários, dos quais grande parte faz jornalismo. Mas, ainda assim, a pergunta afastou a apatia e deu um ar de rebuliço ao ambiente.

- Gostaria de saber se todos os números revelados sobre as mortes por violência no Brasil são superiores às mortes causadas pelo cigarro todos os anos.


Óquei, não foi exatamente assim, não gravei a frase, apenas a idéia. A pergunta seria idiota e sem nexo, a não ser pelo fato de estar ecoando num evento organizado pela, cof-cof, Souza Cruz.


Caco Barcellos, o maior souvenir do jornalismo contemporâneo, ficou vermelho, titubeou e alegou desconhecer os dados referentes aos prejuízos do tabaco. Apesar de não descartar a realização de uma reportagem sobre o assunto (!), o jornalista disse que aquele não era o foco da palestra. Sua cara de “putz-parem-com-isso-a-souza-cruz-tá-me-pagando-para-estar-aqui” dispensava quaisquer justificativas.

Rapidamente, a representante da empresa pegou o microfone e desempenhou (muito bem, diga-se de passagem) o papel de advogada do Diabo. Como boa relações-públicas,
a moça foi polida, calma e convicta, mas, na verdade, tudo o que ela disse poderia ser resumido numa frase “Fuma quem quer. Burros são vocês que se matam e ainda fazem a gente lucrar com isso”.

Tirando o divertido contratempo, a conversa foi bem descontraída e construtiva. Mais formativa do que informativa. A tese do souvenir é, no mínimo, instigante: o Estado é a maior máquina de matar da sociedade. A polícia, através, principalmente, de unidades especiais como BOPE e ROTA, aniquila mais pessoas do que os traficantes e os assaltantes. E o mais perturbador de tudo isso: nós somos coniventes e co-autores dessa teia perversa. Durante a palestra, fomos o tempo inteiro, enquanto público de classe média universitário, culpados. Caco não se eximiu, não foi hipócrita. Também reconheceu seu papel nessa história, e, sobretudo, acusou. Construiu frases como “vocês, que não são criminosos habituais (...)”. Porra, o cara me chama de criminoso e eu fico sentado só ouvindo? Sim. Porque talvez seja verdade mesmo. Repeti a noite inteira o mantra: “O que me isenta disso tudo?”, “O que me isenta disso tudo?”, “O que me isenta disso tudo?”. E, afinal, o que, de fato, faz com que eu tire o meu da reta? E o seu?


*Ao final, todos ganharam uma mochila reciclada. Realmente bacana. E o melhor, de graça. Eu peguei a minha, claro. Agora ando pra lá e pra cá com MINHA hipocrisia estampada nas costas.

**Caco Barcellos, como bom bonequinho de vitrine, colocou-se à disposição para fotos no final do papo. Ah, essas tietes! :D