segunda-feira, 24 de março de 2008

Jornalismo e política regados a chumbo

”Hoje tu tens uma meleca geral.” A frase pode parecer estranha e até nojenta. Mas resume, em poucas palavras, o panorama político atual. E ninguém mais gabaritado para ditá-la do que um jornalista do porte de José Mitchell. O ex-repórter e atual pauteiro da RBSTV conversou com estudantes de jornalismo da PUCRS sobre sua vasta experiência na cobertura política nos sombrios tempos da ditadura militar brasileira.

O início da década de 1970 foi o lamacento palco de atuação de Mitchell como repórter na sucursal do então prestigioso Jornal do Brasil, em Porto Alegre. Ele cobria as áreas de política e de polícia para o periódico carioca aqui nos pampas. Política e polícia, duas palavras promiscuamente interligadas numa época em que aprofundar-se demais nesses assuntos podia levar à cadeia e, conseqüentemente, talvez, até a morte.

E como era, então, o trabalho do jornalista que se aventurava pelos subterrâneos desses temas? “Nós tínhamos uma ditadura militar, então, na área política, quem eram as fontes? Eram os generais. Eram eles que mandavam”, comenta Mitchell, ressaltando a fragilidade das instituições civis e dos partidos políticos naquele período.

Autor do livro Segredos à direita e à esquerda da ditadura militar, Mitchell reconhece que, antes de qualquer atributo, “um bom jornalista deve saber contar boas histórias”. E foi com esse intuito que ele desmembrou em livro histórias peculiares da ditadura tupiniquim. Seu objetivo não é santificar ou demonizar figuras conhecidas da repressão ou da guerrilha. Mitchell deseja humanizá-los através de histórias reais.

O leitor pode se surpreender ao saber que a maior e mais bem sucedida greve do magistério, a de 1979 – que culminou com a contratação de 20 mil professoras e com um aumento de 70% no salário -, só obteve êxito graças à intervenção direta dos militares no caso. Ou, então, se comover ao ler que um dos acusados de ser torturador em Porto Alegre, o delegado do DOPS (órgão de repressão do regime) Pedro Seelig, salvou da morte os dois filhos do famoso casal de presos políticos uruguaios, Líllian Celiberti e Universindo Dias. José Mitchell, aliás, participou ativamente do grupo de jornalistas que investigou o nebuloso caso que envolveu o seqüestro, em solo gaúcho, dos uruguaios pelos aparelhos de repressão das ditaduras latino-americanas.

Com tanta experiência adquirida durante 30 anos de trabalho, Mitchell define de maneira simples o que é a política: “São pessoas disputando o poder”. E alerta aos futuros jornalistas para que fiquem atentos a essa questão, principalmente no que diz respeito às benesses que esse poder pode proporcionar. Com um ar de quem já viveu um bocado e entende das coisas da vida, sentencia: “Os jornalistas devem lutar contra privilégios”. E, sem cair no saudosismo ou na amargura de quem viveu os anos de chumbo, declara: “Ditadura é ditadura, seja de esquerda ou de direita. Não há regime melhor que a democracia”. Eis as palavras de quem, sem ter caído no extremismo ou sucumbido à derrota, se equilibrou na corda bamba de um tortuoso período da história brasileira.

9 comentários:

Anônimo disse...

esse cara curte contar umas histórias hein hehehe.
boa matéria!

Luana Duarte Fuentefria disse...

ai, Samir... já disse que quero escrever que nem tu quando crescer?

Gabriela Aerts disse...

não sei quanto a vocês, mas o cara adoro falar de si...

mas o livro parece bem bom!

samir tava com gravador na aula, n é, safado...
hehe

Gabriela Aerts disse...

não sei quanto a vocês, mas o cara adoro falar de si...

mas o livro parece bem bom!

samir tava com gravador na aula, n é, safado...
hehe

Rô Peixoto disse...

"Na corda bamba de sombrinha, e, em cada passo dessa linha, pode se machucar... a esperança equilibrista."

Até deu vontade de ler o livro!

Beijos!

Anônimo disse...

tbm fiquei com vontade de ler o livro. fiquei com vontade de tirar meu texto do blog, o teu tá mto bom hehe! bjo!

Douglas Almeida disse...

Samir,

Venho aqui para agradecer os comentários que fez no meu blog. Gostei de ver uma opinião bem formulada como é a sua. Ainda não estou na faculdade, mas farei jornalismo também.
Fico satisfeito por ter atingido meu objetivo do blog que é ver opiniões divergentes e suficientes para causar uma conversa por horas. Não ligo para concordar ou não com os meus textos, mas sim pelas opiniões, que cada vez mais raras são no Brasil. Continue manifestando-se, seja contra ou a favor, aos meus textos. Gosto de saber que existem ainda opiniões bem escritas e inteligentes.
Comentarei aqui sempre que passar e ver um post novo. Faça o mesmo pelo seu futuro companheiro de profissão ( rsrs )! http://blogdoutil.blogspot.com

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Teu texto tá muito bom. Nem vou colocar o meu. Na aula, quando entreguei, achei que tava razoável. Quando reli em casa levei um susto. Ficou péssimo. Jamais o verá! hehe
Beijos
E com certeza tu tinha um gravador! Meu enfoque foi muito diferente do teu!

Eliane! disse...

Li no blog da Ananda sobre esse entrevista de vocês com o Mitchell. Putz, queria ter estado lá também. Ouvir uma pessoa que participou de uma época tão peculiar no Brasil é muito interessante, ainda mais um jornalista como ele.

Agora meu deu mais vontade de ler o livro!

Abraços!