Existem pessoas que caem em nossa vida do nada. Podemos classificá-las em vários grupos e subgrupos de acordo com a finalidade a qual vieram: amor, amizade, encheção de saco, QI, etc. Mas, ultimamente, uma pessoa tem me chamado a atenção. É dona Dalila - uma velhinha de quase 90 anos que mora no meu prédio. Não, não estou apaixonado! Acontece que a figura ancestral de dona Dalila me intriga e comove.
A senhora vive sozinha em seu apartamento. Seu único parente conhecido é um filho misterioso que está nos Estados Unidos e lhe manda uma mensalidade de duzentos dólares. Claro, dona Dalila pode contar ainda com a parca aposentadoria do governo (será que ela espera na fila do INSS?). Seus gastos são, basicamente, com remédios, comida e com a assinatura da revista Caras. Como se não bastasse a vida solitária que leva, dona Dalila nunca deixa sua caverna. Sofre de osteoporose e se locomove com extrema dificuldade.
Pois bem, melodramas à parte, sua maior atividade consiste em esperar metodicamente a revista Caras. Uma vez por mês, ela deixa a penumbra de sua caverna e expõe-se à janela (afinal, é preciso respirar também). Quando chego da faculdade, lá está aquela figura estática, fitando o nada, com uma chave na mão. Não preciso nem perguntar. Diretamente do segundo andar, a chave dança nas mãos raquíticas da velha e entra em contato doloroso com meus dedos (por que diabos ela não embrulha a chave?!?). Abro a caixinha enferrujada do apartamento 204 e lá está a revista, com todas as informações necessárias à sobrevivência de dona Dalila. Rapidamente, ela joga sua sacolinha, onde devo por a revista e as chaves assassinas. Com eficiência inimaginável para uma senhora doente, ela puxa a sacola e, com um olhar sutil e vago, me agradece, encerrando seu ritual mensal de contato com o mundo dos vivos.
É assim. Todo mês, dona Dalila está lá. Ela nunca esquece. Nunca se atrasa. Nunca deixa cair a sacolinha e nunca embrulha o molho de chaves.
A senhora vive sozinha em seu apartamento. Seu único parente conhecido é um filho misterioso que está nos Estados Unidos e lhe manda uma mensalidade de duzentos dólares. Claro, dona Dalila pode contar ainda com a parca aposentadoria do governo (será que ela espera na fila do INSS?). Seus gastos são, basicamente, com remédios, comida e com a assinatura da revista Caras. Como se não bastasse a vida solitária que leva, dona Dalila nunca deixa sua caverna. Sofre de osteoporose e se locomove com extrema dificuldade.
Pois bem, melodramas à parte, sua maior atividade consiste em esperar metodicamente a revista Caras. Uma vez por mês, ela deixa a penumbra de sua caverna e expõe-se à janela (afinal, é preciso respirar também). Quando chego da faculdade, lá está aquela figura estática, fitando o nada, com uma chave na mão. Não preciso nem perguntar. Diretamente do segundo andar, a chave dança nas mãos raquíticas da velha e entra em contato doloroso com meus dedos (por que diabos ela não embrulha a chave?!?). Abro a caixinha enferrujada do apartamento 204 e lá está a revista, com todas as informações necessárias à sobrevivência de dona Dalila. Rapidamente, ela joga sua sacolinha, onde devo por a revista e as chaves assassinas. Com eficiência inimaginável para uma senhora doente, ela puxa a sacola e, com um olhar sutil e vago, me agradece, encerrando seu ritual mensal de contato com o mundo dos vivos.
É assim. Todo mês, dona Dalila está lá. Ela nunca esquece. Nunca se atrasa. Nunca deixa cair a sacolinha e nunca embrulha o molho de chaves.