Ao abrir o livro Rota 66, de Caco Barcellos, abre-se uma janela para a realidade. As 274 páginas que compõem a impressionante história passam pelos olhos tão rápido quanto o é a narrativa. Ao mergulhar no terrível mundo do crime praticado pelos que deveriam condená-lo, não há como sair ileso. Não há como não se revoltar com o dossiê extremamente bem fundamentado preparado pelo repórter. Não há como não se envolver com as histórias tristemente reais contadas com todo o tino que só um jornalista profissional conseguiria ter.
Rota 66 é muito mais do que um livro sobre, como bem diz o autor, “a polícia que mata”. Trata-se de uma obra que denuncia todo um complexo sistema de execução do mais fraco sustentado pela Polícia Militar de São Paulo. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) é uma unidade de elite da polícia paulista e contava, na época, com apenas 50 membros divididos em 10 caminhonetes modelo Veraneio. Cada veículo acomodava quatro soldados (mais um comandante) armados com pistolas, metralhadoras e diversos tipos de bombas.
Os policiais, na teoria, deveriam formar um grupo ágil e bem equipado de repressão ao crime nas ruas da maior cidade do país. Na prática, porém, constituíam um esquadrão da morte. Não prendiam, torturavam e matavam. Atiravam primeiro, perguntavam depois. Mesmo em tempos de ditadura (a Polícia Militar foi criada em 1970, no auge da repressão no Brasil), é chocante saber que a ignorância e a intolerância chegaram a níveis tão extremos, num patamar de brutalidade e barbárie, pode-se dizer.
Caco Barcellos conduz o leitor a uma viagem tortuosa por uma São Paulo marcada pelo crime e pela violência policial. O jornalista conta, em detalhes, como agiam os matadores e como agia, também, o nefasto sistema jurídico-político que lhes concedia total liberdade e impunidade. O livro é fruto de anos de pesquisa em delegacias, necrotérios e tribunais. Ao final, Caco consegue traçar um perfil criterioso das vítimas e dos assassinos. Além de identificar, pelo menos, quatro mil e duzentas das 12 mil vítimas da PM entre 1970 e 1992. Os números são assombrosos, comparáveis aos de uma guerra. Desse total, 65% eram pessoas inocentes. Gente que nunca havia praticado um crime.
O mais deprimente, entretanto, é constatar que não era um ou outro policial que matava. Era todo um sistema que favorecia, literalmente, com prêmios e promoções, os maiores matadores da PM. Não importa se era inocente ou culpado, tinha que morrer. Apenas um fator era determinante: ser pobre. Sem ter condições de reivindicar seus direitos, a população de baixa renda era o alvo primordial dos assassinos fardados. Pobre, para eles, era igual a ladrão, a marginal. O único episódio em que as vítimas foram jovens ricos da elite paulista, o caso Rota 66, não foi, contudo, muito diferente dos demais. Apenas a repercussão na imprensa foi maior. Os responsáveis pelo crime saíram ilesos.
Publicado em 1992, Rota 66 já foi editado 37 vezes, sendo a última em 2002. Não há, porém, como descrever a sensação experimentada ao terminar de ler a obra. É como se faltassem páginas. É como se todo aquele revoltante aparato pró-morte ainda estivesse ativo. E, de fato, está. A democracia já está instaurada, mas as arbitrariedades ainda existem. Faltam mais Cacos Barcellos para retratar as histórias das atuais vítimas.
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
Rota de sangue
Assinar:
Postar comentários (Atom)
14 comentários:
Uou. Grande texto, Samir.
Tu mergulhou meeesmo no livro.
A propósito, essa é a tua resenha de rádio?
beijo
Bom o Texto. Tbm gostei mto do Livro. Agora fica uma pergunta. E nós? É aquela redundancia q volta a bater na minha mente. Nós nao alimentamos tudo isso? E se alientamos pq sentir tanta repulsa? Milhares de perguntas me atropelam nesse país de uma teoria Pacífica e de uma prática sangrenta. Abraço.
Sim, Carol, esse é um texto !JáQ" ;)
Faltam mais Cacos e capitães Nascimento. hehe.
Adorei o texto!
Luana, temos um problema... Caco e capitão Nascimento são contraditórios. Acho que precisamos mesmo de concientização.
Sr. Thales, não só contraditórios, mas opostos.
Capitão Nascimento mata gente, e isso é horrível! Mas são pessoas como ele que mostram um pouco da realidade pra gente, mesmo que do seu ponto de vista.
Samir, obrigada pelo espaço proporcionado à discussão. huahauha
Senhorita Luana. Entendeu completamente o meu comentário. Aliás, concordo com você. O Capitão Nascimento seria figurinha fácil em um livro do Caco. Eu adoraria ler a opinião de Vossa Excelência sobre o filme, um dos melhores e mais polêmicos filmes nacionais. =D Abraços.
Não há muito o que falar: é só ver a situação que o Brasil se encontra atualmente!
(Depreminte!)
Beijos!
Eba, to lendo este livro. Minha resenha de rádio está pronta.
Control c, control v..
to brincando
Muito bom, Samir
Waguinho
lê o abusado, do caco tbm!
vais gostar!
eu amei hehe
beijoo
Eu li o Abusado, muito bom mesmo!
E quando terminei a leitura, senti a mesma sensação que você.....
Na minha opinião faltam mais Cacos Barcellos e Gilbertos Dimenteins (mesmo que o trabalho de um seja diferente do outro,porém com mesmo objetivo)
Ótimo texto!!
Parabéns!!!
Eu li o Abusado, muito bom mesmo!
E quando terminei a leitura, senti a mesma sensação que você.....
Na minha opinião faltam mais Cacos Barcellos e Gilbertos Dimenteins (mesmo que o trabalho de um seja diferente do outro,porém com mesmo objetivo)
Ótimo texto!!
Parabéns!!!
Seu texto é muito bom Samir, eu tb li o livro, é simplesmente excepcional, como vc disse está mais Cacos...talvez sejamos os Cacos Barcelos do futuro...
Eu gostei do seu texto, mas não entendi pq 274 páginas, pq o Rota 66 tem 350 páginas...
Parabéns!!!
é um livro fantástico
Postar um comentário