sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Rota de sangue

Ao abrir o livro Rota 66, de Caco Barcellos, abre-se uma janela para a realidade. As 274 páginas que compõem a impressionante história passam pelos olhos tão rápido quanto o é a narrativa. Ao mergulhar no terrível mundo do crime praticado pelos que deveriam condená-lo, não há como sair ileso. Não há como não se revoltar com o dossiê extremamente bem fundamentado preparado pelo repórter. Não há como não se envolver com as histórias tristemente reais contadas com todo o tino que só um jornalista profissional conseguiria ter.

Rota 66 é muito mais do que um livro sobre, como bem diz o autor, “a polícia que mata”. Trata-se de uma obra que denuncia todo um complexo sistema de execução do mais fraco sustentado pela Polícia Militar de São Paulo. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) é uma unidade de elite da polícia paulista e contava, na época, com apenas 50 membros divididos em 10 caminhonetes modelo Veraneio. Cada veículo acomodava quatro soldados (mais um comandante) armados com pistolas, metralhadoras e diversos tipos de bombas.

Os policiais, na teoria, deveriam formar um grupo ágil e bem equipado de repressão ao crime nas ruas da maior cidade do país. Na prática, porém, constituíam um esquadrão da morte. Não prendiam, torturavam e matavam. Atiravam primeiro, perguntavam depois. Mesmo em tempos de ditadura (a Polícia Militar foi criada em 1970, no auge da repressão no Brasil), é chocante saber que a ignorância e a intolerância chegaram a níveis tão extremos, num patamar de brutalidade e barbárie, pode-se dizer.

Caco Barcellos conduz o leitor a uma viagem tortuosa por uma São Paulo marcada pelo crime e pela violência policial. O jornalista conta, em detalhes, como agiam os matadores e como agia, também, o nefasto sistema jurídico-político que lhes concedia total liberdade e impunidade. O livro é fruto de anos de pesquisa em delegacias, necrotérios e tribunais. Ao final, Caco consegue traçar um perfil criterioso das vítimas e dos assassinos. Além de identificar, pelo menos, quatro mil e duzentas das 12 mil vítimas da PM entre 1970 e 1992. Os números são assombrosos, comparáveis aos de uma guerra. Desse total, 65% eram pessoas inocentes. Gente que nunca havia praticado um crime.

O mais deprimente, entretanto, é constatar que não era um ou outro policial que matava. Era todo um sistema que favorecia, literalmente, com prêmios e promoções, os maiores matadores da PM. Não importa se era inocente ou culpado, tinha que morrer. Apenas um fator era determinante: ser pobre. Sem ter condições de reivindicar seus direitos, a população de baixa renda era o alvo primordial dos assassinos fardados. Pobre, para eles, era igual a ladrão, a marginal. O único episódio em que as vítimas foram jovens ricos da elite paulista, o caso Rota 66, não foi, contudo, muito diferente dos demais. Apenas a repercussão na imprensa foi maior. Os responsáveis pelo crime saíram ilesos.

Publicado em 1992, Rota 66 já foi editado 37 vezes, sendo a última em 2002. Não há, porém, como descrever a sensação experimentada ao terminar de ler a obra. É como se faltassem páginas. É como se todo aquele revoltante aparato pró-morte ainda estivesse ativo. E, de fato, está. A democracia já está instaurada, mas as arbitrariedades ainda existem. Faltam mais Cacos Barcellos para retratar as histórias das atuais vítimas.

14 comentários:

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Uou. Grande texto, Samir.
Tu mergulhou meeesmo no livro.

A propósito, essa é a tua resenha de rádio?

beijo

Thales Barreto disse...

Bom o Texto. Tbm gostei mto do Livro. Agora fica uma pergunta. E nós? É aquela redundancia q volta a bater na minha mente. Nós nao alimentamos tudo isso? E se alientamos pq sentir tanta repulsa? Milhares de perguntas me atropelam nesse país de uma teoria Pacífica e de uma prática sangrenta. Abraço.

Samir Oliveira disse...

Sim, Carol, esse é um texto !JáQ" ;)

Luana Duarte Fuentefria disse...

Faltam mais Cacos e capitães Nascimento. hehe.

Adorei o texto!

Anônimo disse...

Luana, temos um problema... Caco e capitão Nascimento são contraditórios. Acho que precisamos mesmo de concientização.

Luana Duarte Fuentefria disse...

Sr. Thales, não só contraditórios, mas opostos.
Capitão Nascimento mata gente, e isso é horrível! Mas são pessoas como ele que mostram um pouco da realidade pra gente, mesmo que do seu ponto de vista.

Samir, obrigada pelo espaço proporcionado à discussão. huahauha

Anônimo disse...

Senhorita Luana. Entendeu completamente o meu comentário. Aliás, concordo com você. O Capitão Nascimento seria figurinha fácil em um livro do Caco. Eu adoraria ler a opinião de Vossa Excelência sobre o filme, um dos melhores e mais polêmicos filmes nacionais. =D Abraços.

Rô Peixoto disse...

Não há muito o que falar: é só ver a situação que o Brasil se encontra atualmente!
(Depreminte!)


Beijos!

Anônimo disse...

Eba, to lendo este livro. Minha resenha de rádio está pronta.
Control c, control v..
to brincando

Muito bom, Samir

Waguinho

Ananda Etges disse...

lê o abusado, do caco tbm!
vais gostar!
eu amei hehe
beijoo

Anônimo disse...

Eu li o Abusado, muito bom mesmo!
E quando terminei a leitura, senti a mesma sensação que você.....
Na minha opinião faltam mais Cacos Barcellos e Gilbertos Dimenteins (mesmo que o trabalho de um seja diferente do outro,porém com mesmo objetivo)
Ótimo texto!!
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Eu li o Abusado, muito bom mesmo!
E quando terminei a leitura, senti a mesma sensação que você.....
Na minha opinião faltam mais Cacos Barcellos e Gilbertos Dimenteins (mesmo que o trabalho de um seja diferente do outro,porém com mesmo objetivo)
Ótimo texto!!
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Seu texto é muito bom Samir, eu tb li o livro, é simplesmente excepcional, como vc disse está mais Cacos...talvez sejamos os Cacos Barcelos do futuro...

Anônimo disse...

Eu gostei do seu texto, mas não entendi pq 274 páginas, pq o Rota 66 tem 350 páginas...
Parabéns!!!
é um livro fantástico