sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Falar pelos pés

Vida de jornalista é mesmo um vai e vem. Ir fazer a pauta. Ir entrevistar fulano lá do outro lado da cidade. Ver o que está acontecendo em tal evento... E por ai vai, literalmente. Mas todo esse conjunto de deslocamentos torna-se ainda mais exaustivo para quem não tem carro. Os bípedes sofrem mais.

Foi num desses dias em que o ponteiro do relógio zombava da minha cara que percebi um fato muito interessante: a relação que o ser humano tem com os pés. Estava no ônibus depois de uma tarde cansativa de "passeios" pela cidade, sentado, com a cabeça aos poucos se desanuviando. Fui resgatado de volta à consciência por um detalhe que passa despercebido em meio à pachorra dos dias comuns. Todos os pés presentes, quase sem exceção, se mexiam. Pode parecer estranho, mas aquela visão provocou em mim algumas reflexões. Por que aquelas pessoas, que estavam bem acomodadas e tranquilas, movimentavam seus pés? O que os levaria a tal atitude? E, mais importante, será que elas se davam conta disso?

Numa aula de história da comunicação, no longínquo primeiro semestre, a professora certa vez disse que é altamente instintiva do ser humano a atividade de tocar, de sentir e de experimentar as coisas pelo movimento das mãos. Tais atos remetem a mais distante família de australopitecos. Pois bem, dou-me a liberdade de estender a postulação da mestra Zezé aos pés. Naquela tarde, após observar que, calma e mansamente, as pessoas entretiam seus pés num balanço lento e despreocupado, me dei conta do significado daquele evento.

Um ato quase litúrgico, mover os pés ou simplesmente os dedos, é uma forma de expressão altamente primitiva. Pode-se dizer muita coisa apenas com o mexer de um dedo. Notei que os que batiam frenética e horizontalmente os pés contra o chão apresentavam uma feição preocupada, apreensiva. Os movimentos leves e ondulados pertenciam a rostos mais relaxados, como se a pessoa estivesse mentalmente escutando uma mansa melodia dos Beatles, ao melhor estilo Yesterday. Havia também aqueles que pareciam ter nascido para comunicar-se, pedicularmente falando. Levavam seus pés para esquerda e, esgotados os limites do corpo, iam para cima. E assim repetiam sucessivamente. Chegava a dar medo. Se uma pessoa comunica-se assim pelos pés, imagina o potencial que possui sua boca!

Mas a boca não é tão romântica. É muito comum manifestar-se por ela. Mas falar pelos pés não é para qualquer um! Exige habilidade, embora às vezes possa ser feito sem qualquer intenção. Enfim, a pequena observação foi válida. quando dei por mim já tinha descido do ônibus e ainda rendeu um texto. Escrito com os pés, é claro.

6 comentários:

Unknown disse...

Escrito com os pés???

Que observação... vou prestar mais atenção nos meus pés!! hehehe

Beijos!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Mas tu lembra das aulas da Zezé??? Depois a memória de elefante é da Liza.

Eu já percebi que meus pés refletem meu humor. Mas agora esconderei meus pés quando perto de ti, vai que tu queira fazer uma psicanálise deles...

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Mais um texto com o qual me identifico completamente. Acredite se quiser: eu mexo meus pés no ônibus a todo instante e, agora pasme, me dou conta disso. Chego até a pensar: "Mas por que eu não acho uma posição boa para meus pés?"

Genial a observação.

Beijos

Ananda Etges disse...

também achei uma boa observação.
semana passada estava na aula de leituras em jornalismo e notei algo do gênero.
uma colega nossa pequenininha não alcançava os pés no chão ao sentar na cadeira.
sendo assim, ela tinha os pés totalmente livres para movimentar-se.
ela mexia pra frente, pra trás, de modo circular... uma loucura, eu ficava até tonta hehe!
beijoo"

Liza Mello disse...

então o samir é muito falador.. seus pés inquietos sempre balançam freneticamente perto de mim!

:)

ps: luana, eu TAMBÉM lembro dessa aula da zezé! o posto ainda é meu!! hehe

Giane Laurentino disse...

Escrever com os pés ....eu nunca pensei nesta possibilidade mas é certo que meus pezinhos são inquietos hehehe.

Finalmente, depois de muito você perguntar, atualizei o blog, então passa lá. O seus textos não preciso nem dizer são ótimos sempre :o)

BJUS