sábado, 13 de outubro de 2007

Brasil manchado

Algumas coisas são inevitáveis. Comer brigadeiro, se sujar em dia de chuva, decepcionar-se com alguém, repetir palavras num texto e, dentre outros mil exemplos, ser assaltado! Até ontem, eu também achava que este item não entrava na lista.

Feriado em Porto Alegre. Ninguém na rua. Mal passam carros, aliás. Saio de casa com um celular, mp3 e 30 reais no bolso. Ao atravessar a rua, um cara me chama, pergunta as horas. “Normal”, pensei, afinal estava com o relógio à vista. “São vinte pras três”, respondo com um ar de quem já está acostumado a receber esse tipo de pergunta. Menos de três passos depois ele fala: “Cara, eu to armado. Não te mexe, não tenta correr.” Me virei, meio que sem entender. Olhei bem pra ele. Devia ter no máximo 25 anos, mais alto e mais forte do que eu. Bem vestido, calça jeans e mochila nas costas. Uma mão fazia volume no bolso do casaco. Óbvio que não devia estar armado. Mas eu só poderia correr. Não quis arriscar levar um tiro nas costas.

Aquele momento durou uma eternidade. Ninguém passava por mim. A Capital parecia estar deserta, inabitada. Fui conduzido para um local ainda mais inóspito. Lá, realizei a humilhante tarefa de entregar ao meu algoz o celular e os míseros 30 reais. Nesse exato momento, quando fazia o movimento de dar-lhe o dinheiro, uma senhora passou por nós. Trajando preto e com a bolsa à tiracolo, a velhinha olhou, assustou-se e continuou andando como se nada estivesse acontecendo ao seu redor.

Ele ainda queria saber onde eu morava. Apontei qualquer direção e, após ser ameaçado (novamente) de ter a casa pilhada e o rosto marcado – caso eu chamasse a polícia – ele pediu os fones. E foi burro, ainda por cima. O mp3 estava num bolso. O celular, em outro. Entreguei somente os fones, resolvi me fazer de louco e deixar o mp3 no bolso. O babaca nem protestou. Quero ver como ele vai fazer pra encaixar eles no telefone!

Estava novamente sozinho. Não sabia se voltava pra casa, pois estava com medo de ser seguido. Poderia ficar, mas tudo o que eu queria era a segurança das paredes do meu quarto. Pelo menos, ainda tinha a chave. Depois de olhar para todos os lados possíveis, cheguei em casa. Não fui à polícia. Não quero ver o meliante sair da cadeia pior do que entrou. Com mais doses de ódio injetadas em suas veias e com os macetes que só se aprende naquelas escolas do crime.

A camiseta branca com o mapa do Brasil formado pelas palavras “ética”, “honestidade” e “paz” estampadas no meu peito estava vermelha. Manchada de sangue. Não o meu, mas o de milhões de pessoas que, diariamente, são vítimas da violência crônica deste e de muitos outros países. Em tempos de “Tropa de Elite”, é válida uma profunda reflexão sobre a eficácia da repressão policial, a função do poder público em relação à criminalidade e, principalmente, sobre o papel da própria sociedade em todo esse processo. Pode ser apenas impressão, mas eu, particularmente, me senti culpado e um pouco responsável por tudo isso. Inclusive, pelo meu próprio assalto.

17 comentários:

Anônimo disse...

samir, samir... que bom que tu não sucumbiste à tentação de achar que nós não temos nada a ver com o que está acontecendo no país, como se tudo tivesse surgido do nada, por culpa do governo deste país tropical...
bah, samir, que bom que tu consegues manter a lucidez, mesmo quando a violência agarra teu pé. te admiro.

Unknown disse...

É, tá triste... a situação ta cada vez mais feia!

Infelizmente, isso acontece! E é muito mais comum do que deveria ser!

Te cuida mais, agora! E não fale mais as horas pra ninguém! Já que não temos como consertar... remediar é o melhor negócio!

Ananda Etges disse...

Que triste Samir!
Imagino teu ódio.
Nunca passei por essa situação, ainda não perdi a virgindade, como diz a Liza.
Já assisti Tropa de Elite e gostei da tua citação.
Filme excelente se bem analisado.
Um beijo e cuide-se (se isso é possível)!

Liza Mello disse...

samiiir... ai q triste... como uma virgem eu imagino a tua cara de "como assim?" quando o cara te falou q ia te assaltar...

pelo menos agora tu pode dizer "AQUELE FILHO-DA-PUTA!!" em algum bar de porto alegre... hehehe

e agora eu não consigo falar ctg!! voltou pra SAP?

Luana Duarte Fuentefria disse...

Como "não vai à polícia", seu Samir???
Não que o cara vá ser preso, óbvio que não vai. Mas como tu acha que o governo obtém as estatísticas da criminalidade pra (tentar) melhorar alguma coisa? Hein hein?

Vai lá e faz ocorrência de uma vez!

Fora isso, texto ótimo, como sempre. Fiquei com pena de ti...

Luana Duarte Fuentefria disse...

E bah! Eu sei de uma pessoa que NÃO foi assatada (eu disse NÃO!) porque respondeu as horas pro tiozinho. Ele disse que ela fora "muito simpática e que se cuidasse, afinal estavam assaltando por ali".
Não vai nessa que não tem que responder as horas.

Anônimo disse...

Quando pensamos nas características dos assaltantes,vem na cabeça o quê:negro, favelado, drogado, mal vestido, etc. Eis que constatamos que nossos algozes estão vestidos como "nós", falam "como nós" e querem o que é nosso!
Samir apesar da concretude dolorosa do fato... o texto está bem escrito e consegues ainda fazer uma análise dessa dura realidade porque passamos. Apesar de nada acontecer ao assaltante... as estátisticas podem dizer alguma coisa à sociedade, aos governantes, às instituições. Acredito que, por meio delas, está o nosso grito: somos mais um, dois, três, muitos!!!! Juntos temos que fazer alguma coisa!

Anônimo disse...

Samir o coment�rio acima � meu (Giselda). Enviei sem identifica�o sem querer. Em rela�o as est�tisticas estava me referindo a realizar a ocorr�ncia do assalto na delegacia de pol�cia, por mais insignificante que pare�a. Um abra�o forte.

Anônimo disse...

...

Anônimo disse...

"ps.:sugiro escutar "minha alma( a paz que eu não quero" bem alto. e se inspire.. nunca nos esqueçamos que podemos- e não só devemos- fazer algo, pedir mudanças. é uma obrigação para conosco e para com os nossos que virão. e que tudo bem ficar indigndado e com raiva, desde que seja de forma construtiva. PAZ SEMPRE. MR

Anônimo disse...

Putz, Samir! Tu escreve muito bem...

Anônimo disse...

Belo texto, mas não registrar um crime é colaborar com a impunidade. Mesmo que seja dificil ele ser preso, a tua parte tu tem que fazer. Mas te entendo, o meu primeiro assalto eu nao registrei, no segundo eu decidi registrar por estar "mais acostumado" com o país que construimos. Abraços.

Luana Duarte Fuentefria disse...

Mazáaa!!! Samir virou tema e até título no blog do Vitor!!!

Êita cabeção, hein!

Não vai se deslubrar muito tá?

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Esse foi o melhor texto que eu li aqui no blog.
E tu ainda virou personagem do texto do Vitor. Mereceu.

Quando tu não esquece a pasta ou a mochila na faculdade, é assaltado. Mas vou te contar hein...

Beijos

Liza Mello disse...

samiiiir fodããããooo...

e o teu celular nem era furreca! injustiça!

Anônimo disse...

hahaha... depois que escrevi o furreca fiquei pensando se ele era ou não... mas pensei: o samir não deve ter celular que custa mais de 1 mil. então é furreca.
:o)

Anônimo disse...

iiii...senti uma ponta de preconceito nesse ponto de corte no valor do celular.