segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O Dia C

Sou o que se pode chamar de chato para alimentos. Quase não como salada e detesto misturar muita comida no prato. Alface me embrulha o estômago, dá ânsia de vômito. A beleza estética dos pratos coloridos e supersaudáveis produz em mim um misto de culpa e satisfação enquanto devoro um bife à parmegiana com algumas ervilhas por cima (essas, sim, eu aturo).

Mas meus hábitos alimentares monocromáticos não param por aí. Não há nada que eu deteste mais do que ela, aquela que faz chorar meu apetite. Famosa, ela tem até personagem em gibi infantil. A cebola. Odeio cebola. E, tratando-se de uma planta hortense, utilizo o verbo odiar sem culpa. A cebola, ou Allium caepa, foi o grande terror da minha infância. Parecia estar em toda parte. No arroz, no feijão, na massa... Nem o endeusado filé à parmegiana conseguia escapar de sua cruzada contra meu metabolismo.

Minha família usava todas as táticas possíveis para burlar meu bloqueio. A cebola era liquidifcada, amassada, metodicamente cortada ou, em último caso, escancarada – assim eu podia, calma e penosamente, separar os enormes pedaços do malfadado alimento. Nem mesmo as crianças famintas da África me convenciam a encará-la. Minha vó bem que tentava. “Come, Samir, cebola faz bem para os olhos. Por acaso queres usar óculos quando for mais velho?” Não me importava. Seria capaz de tudo para não sentir aquele estalo horripilante na boca.

Pois bem, eu não imaginava que minha relação com o supracitado tempero mudaria radicalmente naquele dia, há alguns poucos meses. Chamo de Dia C. Foi o dia em que ela entrou pra valer na minha vida. Embarcou com toda sua força no meu sistema digestivo.

Estava tudo em ordem. A Petikseira do shopping Iguatemi, lotada como sempre. Eu e minha vó entramos na fila. Os bancos vermelhos me incitaram a um (adivinhem) bife à parmegiana. Eu ainda era virgem de Petiskeira. Sempre preferira um mini burger imperialista a qualquer outra opção. Qual foi a minha surpresa quando, ao receber a carne, vejo meia dúzia de anéis enrolados entre o arroz e as batatas fritas. Não! Não podia ser verdade. Fechei os olhos, respirei. “Calma, elas não estão ali.” Mas estavam. Pareciam debochar da minha incredulidade. A fome era tanta que resolvi ignorar o fato. Mas, num momento de desespero, após não ver nem bife nem batatas no prato, resolvi tomar uma ação impensada. Comi um anel de cebola! Aquele crac-crac na boca deu um arrepio, no começo. Aos poucos, o crac-crac foi substituído pelo crec-crec da fritura. Ahh... A fritura! Essa, sim, sempre acompanhou meu organismo rebelde. Camuflada sob o manto belo e crocante da fritura, a cebola já não parecia tão monstruosa. Em meio à batalha de cracs contra crecs, quando dei por mim já tinha comido todos os anéis. Minha vó enfim vencera. Majestosa e altiva, não escondeu o sorriso que há anos estava guardado para aquele momento. Não ousou proferir uma palavra. Apenas apreciava o gosto da vitória. Deve ser acebolado, há de ser.

10 comentários:

Unknown disse...

Como assim, Samir? Comida sem cebola não tem graça nenhuma!
Ta certo, eu prefiro ela disfarçada... pra não sentir os cracs... mas sem ela, o mundo não teria vida! hehehehe

E não vou na Petiskeira... tinha barata no hamburguer da minha mãe... e viva! :P

Beijos!!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Bah, cheirinho de cebola fritando é o que há!

Gosto dela miturada em tudo, mas pura não dá também neh! Certo que tu ficou traumatizado porque comeu ela pura com tomate. Ai, que nojo!

Thales Barreto disse...

Hum... Eu gosto... Comia mto quando criança... (Alguma feição diferente das normais, seria uma indagação, nãoi sei definir) Sempre gostei... Claro, pura só quando criança =D abraços...

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Agora lembrei do Adolfo, professor de planejamento. hahaha
toda criança com escola, toda foto com legenda e toda comida com cebola.
eu adoro cebola, de qualquer jeito. depois o bafo é forte, mas azar o dele (ou o meu né)
ah, não tem como não gostar de cebola depois de comer as cebolas da petiskeira!
beijos
adorei o texto!

Liza Mello disse...

SAMIIIIIIR!!!!!!!!!! A-MEI!!!

putz... adorei os trilhões de sinônimos, os cracs e os crecs...
tu escreve muito bem, seu ex-virgem de Petiskeira!
obs: chamei de Dia C... isso tá me parecendo Ponto F! olha a autoria compartinhada!! hehehehe

:)

Anônimo disse...

Samir, muito bom o texto. Continuo afirmando que escreves muito bem. Gosto da riqueza dos detalhes e do ritmo do texto. Parabéns!

vitor disse...

samir, deixa de ser fresco, guri! cebola é uma maravilha, menos crua. cebola bem fritinha, dourada, quase marrom, esparramada quase que eroticamente sobre um bom bife. mas o paraíso é alcançado com as cebolas carameladas que cobrem o filé com molhor de gorgonzola - hummmmm - de um restaurante que eu AMO. se quiseres esta iniciação gastronômica, me diz que revelo qual templo produz esta iguaria.

Luana Duarte Fuentefria disse...

Não não. Os bolinhos da minha mãe não têm cebola.

E não sei se o tio BláSio vai dar sobre dia mítico... a gente não entende o que ele fala nem o que escreve. Pode ser até que ele já tenha tocado no assunto...

Anônimo disse...

bah nem dá vontade de comentar...
ecaaaaaaaaaaaa odeio cebola!!! apesar de o texto estar ótimooo... só de pensar jah me dá nojo então...
bye
hahah bjs

Ananda Etges disse...

adoro teus textos!!!!
sou tua fã samir hehe!
enquanto eu fico na minha deprê tu escreve sobre coisas leves e rotineiras com mto bom humor!
bjooo!