sábado, 22 de setembro de 2007

Caninos, onomatopéias e olheiras

“Au, au, au”. Foi assim que começou. Baixinho, de leve. Acompanhado de um choro quase silencioso. O cachorro estava preso, queria se libertar. Sete da manhã e ele já não agüentava mais seu cárcere. Queria correr pelo pátio e chafurdar na grama. Mas eu só queria dormir!

“Au, au, au”, continua o animal em seu tríplice latido. O ranço agora aumenta, inclusive o meu. “Puta que pariu, será que os donos não vão soltar o bicho?!”, penso, enquanto tento capturar os últimos fragmentos do merecido sono de um sábado de manhã. Um sono sagrado, aliás. Inviolável. Mas, pelo jeito, o bichano desconhecia as regras celestiais que regem o sono aos sábados. Ele não estava nem aí.

Pelo timbre, parecia ser um filhote. Teria sido adquirido recentemente? Será que ainda não se habituara à coleira? Não sei. O muro de tijolos rebocado que me separa da residência vizinha não permite que eu vislumbre o tormento do cão. Mesmo que permitisse, não me levantaria senão para findar de vez com aquele barulho azucrinador. Arrisco dizer que era pior do que mosquito zunindo ao pé do ouvido, naquelas noites típicas de verão em que o ventilador parece uma brisa quente e atrativa aos insetos.

“Au, au, au”. Me viro para um lado, para outro e nada! Nada daquele maldito pulguento fechar o focinho! Será que eu estava exigindo demais do bicho? Seria muito difícil entender que, por mais que ladrasse, seus inadimplentes donos jamais o soltariam àquela altura da manhã? É tão limitada assim a mente de um cão? E ainda são considerados os melhores amigos do homem! Pode até ser, mas meu sono não estava nenhum pouco amistoso. Se chegasse a dormir, sonharia com formas de me livrar daquele animal. De encarcerá-lo numa redoma de vidro a prova de som. Seria perfeito. Sem mais finais de semana mal dormidos! Sem mais olheiras e, principalmente, sem mais latidos!

A onomatopéia era constante em meus ouvidos. Naquele momento, já não achava a idéia de uma coleira elétrica tão monstruosa assim. Já não entendia como um dia quis ser veterinário. Passados mais dez minutos de latidos e eu podia jurar que estava quase entendendo o que o cão queria dizer. Como se seu brado tivesse se transformado numa massa amorfa de ecos que transmitiam uma mensagem ondulante no meu cérebro. Algo como: “Eu sei que você está me ouvindo, me solte, me solte, me solteeee.”

Já estava conformado com o sono perdido, derrotado. Estava esperando por mais um conjunto infindável de latidos. ... . Nada. Silêncio. Paz. Não pude acreditar. Cheguei a abrir os olhos para ver se estava tudo bem. Se eu estava em casa, se não tinha sonhado. Estava tudo na mais bela calmaria. Parecia que o cão tinha finalmente percebido a inutilidade de seu lamento. Ou será que algum outro vizinho raivoso e menos impiedoso havia tomado alguma atitude? Bem, não importa. Eu tinha que dormir. Tinha que relaxar as pálpebras e recobrar o sono, agora livre de latidos. Fecho os olhos. Aconchego-me na coberta. Ajeito o travesseiro. Respiração calma e pausada. Nada poderia me perturbar naquele sagrado sono de sábado. Como era boa a manhã sem cachorros! De repente, como uma tesoura cortando o fino fio da vida, o despertador toca. “Triiiinn, triiin, triiiiiin...” Meio-dia, tenho que almoçar.

5 comentários:

Liza Mello disse...

tu tá competindo com o vitor em quem escreve mais linhas sobre a mesma divagação?

pelo menos tá bem escrito!

:)

ps: sim. sonos de sábado são sagrados. aulas sábado de manhã são punições acadêmicas para a gente lembrar que a vida não é um moranguinho.

Unknown disse...

Ultimamente, todos os sonos andam sagrados para mim!

E não se assuste: 80% das crianças já quiseram ser veterinários um dia... ainda bem que isso passa!

Beijos!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Samir, A MÁQUINA de escrever!

"Como se seu brado tivesse se transformado numa massa amorfa de ecos que transmitiam uma mensagem ondulante no meu cérebro".

Mas bah! Tá tirando leite de pedra hein!

Anônimo disse...

impressão minha ou a liza sugeriu que meus textos não são bem escritos?
:o)

Liza Mello disse...

hahahaha

não, eu não sugeri isso!
só quis dizer que o texto do samir está bem escrito mesmo, nenhuma informação nas entrelinhas.

é q tu e o samir têm a incrível capacidade de divagar por muitas linhas, habilidade q eu não tenho.