terça-feira, 8 de abril de 2008

Fragmentos desastrosos de uma noite errática

Semana passada realizei a maior ousadia do homem moderno. Fiz algo inimaginável. Uma proeza que nem as mentes mais férteis do planeta poderiam conceber. Eu deixei o celular em casa. E o mais aterrador: foi um ato consciente!

A tarefa era simples, tinha que ir ao chaveiro (que fica no shopping) e voltar. Horário de largada: 18h. A chegada não tinha hora marcada. Era tão incerta quanto o destino do meu celular. No princípio, cogitei não levá-lo na miniempreitada por motivos práticos. Era menos uma coisa para carregar e menos uma coisa a ser roubada (sim, eu sempre considero essa hipótese). Porém, ao catraquear a chave no trinque, voltei o olhar para aquele objeto inerte em cima da mesa mogno que preenchia o centro da sala. Comecei, então, a pensar no que poderia acontecer caso eu não alojasse em meu bolso aquele projeto de telefone. E se alguém me ligasse? E se aquela pessoa me ligasse? A gente sempre espera uma ligação daquela pessoa! E se alguém da minha família morresse ou se acidentasse? E se a RBS resolvesse me contratar de supetão? A RBS nunca liga duas vezes. E se a VIVO me ligasse? E se ele sentisse fome, frio? E se? E se? E seee?

Mesmo assim, tomei um gole longo de ar, catraqueei a chave e segui em frente. Tentava limpar minha mente com assuntos banais, mas não adiantou. Toda a trajetória foi pautada pela apreensão quanto ao celular. O meu ouvido retumbava com a imaginação de seu triiim-triiim desesperado. Sozinho, como um recém nascido a espernear (sim, pois ele vibra enquanto toca), a procura do seio quente da mãe. Não que eu tenha um seio quente, mas podia oferecer uma mão acalentadora e alisar o tão aclamado botãozinho verde para cessar seu pranto.

Chegando no shopping, descobri ter me desdobrado em vão. O chaveiro não podia fazer a maldita cópia. Não tinha a tal da matriz! Aborrecido, resolvi ver o que se passava no cinema, já que havia saído da toca por nada. Foi aí que cometi a segunda ousadia da noite – assisti a um filme sem nem mesmo saber do que se tratava. Dá para imaginar isso? Em plena era da informação, um retardado entra numa sala de cinema sabendo nada mais que o título do filme (e que seu diretor também fez Sr. e Sra. Smith – que eu odiei). Jumper era o único que se encaixava no meu horário. O cartaz era enigmático e assaz hollywoodiano. Mostrava um homem ereto com o punho ligeiramente em riste. Ao fundo havia imagens de várias paisagens conhecidas do globo, como o Coliseu e a Esfinge. Bem, a primeira coisa que me ocorreu foi que era algo sobre um cara que saltava de bungee jump por aí e gostava de exibir o punho. Nunca se sabe o que pode sair da mente infértil dessa gente do cinema.

O filme era uma bosta! Indigno de comentários. Ao menos o tempo passou e eu rasguei quatro reais. Poderia ter comprado algumas esfihas com essa grana. Mas, não, meu dinheiro estava se teletransportando enlouquecidamente no bolso do protagonista de Jumper. É, podem acreditar, o longa conta a história de um maluco que consegue se teletransportar. Bem feito, quem mandou ver sem saber!

Saber? Ãh? Putz, o CELULAR! Lacei o primeiro táxi que apareceu e fui a galope para casa. O motorista imprudente ainda reclamava sobre os “manetas do trânsito”. Os quais desejaria “atropelar com uma patrola”. Para o taxista, por manetas leia-se pessoas-que-trafegam-abaixo-da-velocidade-da-luz. Pelo menos a carona paga não durou muito. Com aflição, tentava achar a chave da primeira porta. A da segunda. As da terceira! Droga, ainda eram duas! Cai chave da mão, mais desespero. O triiim-triiim ecoa no cérebro e dissipa qualquer outro vestígio de pensamento. A chave catraqueia e vence a fechadura. A mesa cumpre, solícita, sua função e protege o celular da lei da gravidade.

O celular. Não fui audaz o bastante para tocá-lo logo que entrei. Me permiti ainda uma pequena série de devaneios. Quantas chamadas teria? Quantas mensagens eu iria ler? Alguma notícia trágica? Alguma alegria? Afinal, eu estava há quatro horas sem vê-lo! Quatro infinitas horas sem sentir sua textura, sem ver seu plano de fundo, sem sentir sua radiação. Qual foi a minha surpresa quando constatei, incrédulo, que não havia nada de diferente, exceto a hora que ele marcava. N-A-D-A. Como se quisesse ser superior a mim mesmo, fiz ares de quem já esperava por isso e esnobei aquela pequena caixinha preta. Deixando minha megalomania de lado, refleti um pouco sobre a dependência que temos de um mero instrumento mecânico só porque ele nos permite falar com outra pessoa à distância. Grande coisa! Os pombos-correio eram muito mais elegantes e refinados. Mas isso é assunto para um outro bost.

10 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...

Hehe. Só tu mesmo...

Em qualquer lugar que eu lesse isso ia adivinhar que é teu.

Tomar um gole longo de ar... sabe que nunca tinha pensado nisso?...

Rô Peixoto disse...

Na na na... nem a Vivo me liga, nem me manda mensagens... às vezes é difícil, porém, mais seguro deixar o celular longe!

Não achei bost...

Rô Peixoto disse...

Esqueci de comentar... dos poucos links que eu tenho, apenas 2 não são de jornalistas!
Será que vocês dominarão o mundo???

Anônimo disse...

Samir,
um dos prazeres da vida é desligar o celular e sair da internet!

Eliane! disse...

olha, meu celular eu desisti. por mais que ele esteja ao meu lado toda tarde, ninguém liga.
já "esqueci" em casa várias vezes e chegava em casa com uma msg, da Claro, é claro.

faz bem deixar de lado o mundo virtual e viver o real. Por mais idiota que pareça, realmente estamos deixando de lado o "ar puro".

Douglas Almeida disse...

O mundo mudou e continua mudando, portanto a tecnologia está avançando e cada vez mais nos tornamos dependentes de tais tecnologias. O celular é, no mínimo, um pouco importante, principalmente quando este aparelho está tentando extinguir os "trambolhos" com fios ( telefones fixos ). Uma empresa contratante, por exemplo, liga, na maioria dos casos, pro celular e não pro fixo. É complicado depender de algo que há alguns anos atrás nem existia. Mas é isso...o tempo passa...novas coisas são inventadas...ta aí o 3G pra mudar mais um pouco. Em breve, falar sem ver a pessoa vai ser coisa rara...

Comentem no meu blog que está atualizado!
http://blogdoutil.blogspot.com

Luana Duarte Fuentefria disse...

Nao consigo! Nao consigo!

(resposta retardada escrita num Mac sem acentos)

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Comigo acontece sempre o contráro! Quando eu estou com o celular, ninguéééém liga! É só ele ficar em casa que, quando eu volto, têm várias chamadas e mensagens. Tá, nem sempre são muitas, mas sempre tem, nem que seja uma só e da vivo!
Beijos!

Anônimo disse...

Samir, estou lendo teus textos... mesmo sem comentá-los. Segue escrevendo! Gosto das tuas descrições do cotidiano.

Anônimo disse...

"Como se quisesse ser superior a mim mesmo, fiz ares de quem já esperava por isso e esnobei aquela pequena caixinha preta."


SEMPRE FAÇO ISSO!!!
Esnobo o celular, como se não tivesse pensado nele o dia inteiro que fico na distância. Sinto-me totalmente perdida sem minha caixinha preta. Preciso dela nem que seja para ver as horas.

Maldita dependência!


Beijo!