sexta-feira, 14 de março de 2008

Manifesto à bunda

O ato é instintivo. A mão contorce-se até as costas, onde esbarra com a camisa/blusa e a puxa para baixo. Eu observo, pasmo, tanto pudor.

Ainda não conseguiu imaginar do que se trata? Ora, você certamente já fez isso alguma vez. Puxar a camiseta para não aparecer a bunda é uma tradição milenar. Deve ter surgido com a roupa. Ou melhor, com as peles. É fácil imaginar nossos irmãos das cavernas tecendo couraças mais compridas para tapar a poupança. Com a revolução industrial, o hábito se inseriu de forma massiva na sociedade e logo haveria de ser cooptado pela indústria cultural.

Deixando de lado o grande parêntese e o regate histórico baseado meramente em devaneios, o fato é que as pessoas não expõem a bunda! E não digo isso como se eu andasse por aí com minhas vergonhas à mostra (como diria Pero Vaz de Caminha ao falar sobre os índios brasileiros). A questão não é essa. Transcende o físico e vai além da compreensão freudiana das coisas.

Chega a ser um enorme paradoxo. Por exemplo, os caras adoram usar camisetas que caiam bem na cintura. De preferência valorizando o tronco e os músculos. Mas aí, a qualquer movimento mais brusco, a bunda desvela-se. O que leva o sujeito a realizar a seqüência descrita no primeiro parágrafo. E eu me pergunto: se isso o incomoda tanto, por que raios insiste em se vestir assim?

Claro, há os completamente surtados. E aí eu consigo classificá-los em dois lados: os superultra roqueiros alernativíssimos e os maníacos do basquete e do hip-hop. Tá, meio que generalizei demais. Mas creio que me farei entender. O primeiro grupo, com suas milhões de subdivisões – que podem ir do emo ao heavy metal -, chega a ser quase feminino com as calças hiperjustas e as camisetas lembrando uma baby-look. Essas calças sufocam a pobre bunda e a fazem parecer um pastel de forno que não deu certo. Os últimos, por sua vez, tomam cuidado para não pisar nas roupas. Sim, pois as camisetas e as bermudas extra GG tornam impossível qualquer tentativa de locomoção saudável. Deve ser horrível carregar tanto peso no corpo. Porém, não deve ser menos doloroso se mover dentro das calças apertadas dos membros do primeiro grupo. Algumas fazem jus ao termo “bolas chorando”.

Bem, brevemente explanadas as exceções masculinas, volto ao caso da bunda. Não são somente os homens que têm esse complexo. As mulheres também sofrem com a cultura de opressão à bunda. E, no caso delas, o paradoxo é muito maior. Calma! Antes que alguma leitora se indigne e saia do blog, explicarei minhas convicções. E quero deixar bem claro que fiz uma extensa pesquisa de campo sobre o assunto.

As mulheres têm uma relação ambígua com a bunda. Se ela é muito pequena, ficam com complexo de desbundadas (no sentido literal da palavra) e têm o maior pavor em mostrá-la. Já, se a parte em questão é muito grande, ou mesmo saliente, ficam com complexo de elefantas e também a repudiam totalmente. Para elas, ser bunduda não é necessariamente um elogio. O contrário, muito menos.

Aí poderíamos cair na questão do culto ao corpo perfeito e da insatisfação sujeitada pela ditadura da beleza. Ok, esses fatores são importantes, mas não é o que quero mostrar. Quero mostrar a bunda! Ou melhor (que eu me esclareça, para manter um mínimo de decoro), quero questionar os diferentes olhares sobre a bunda e a marginalização que ela sofre na sociedade. Tirando a praia, o que resta para uma bunda hoje em dia? Ficar enfornada dentro de uma calça e, ainda por cima, totalmente vetada por camisetas e blusas que insistem em lhe tirar a glória?

O Brasil adora dizer que, enquanto os Estados Unidos cultuam as tetas, nós cultuamos a bunda. Mas, ao falar isso, também se está relegando ela a um papel marginal. O Brasil só cultua a bunda em praias ou nos filmes pornográficos. Isso acaba por transformar os traseiros em algo como promessas eleitorais: só são lembrados de tempo em tempo, em ocasiões específicas. Sim, somos o país do futebol, do carnaval e do samba. Mas me atreverei a questionar outro mito nacional e lanço para minha meia dúzia de leitores a pergunta: somos, também, o país da bunda?

P.S.: Os professores de texto ficariam fulos com essa crônica. Repeti QUATORZE vezes a palavra "bunda". Quinze, com essa.



10 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...

Lembrei da revista Bundas. Lembra dela? Que Caras que nada. Nem bundas. Somos é 'caras de Bundas'!

[vou parar de ler teus textos. são como as aulas do vitor. deveriam me inspirar, mas acabo me sentindo um lixo...]

Rô Peixoto disse...

Bundas... gosto, mas prefiro com calças! hahaha

Thales Barreto disse...

As "dançarinas" de funk carioca não viveriam sem elas.

hehehehe...
Abração.

Liza Mello disse...

seriam as calças suplex um manifesto pró-bunda?

Luana Duarte Fuentefria disse...

ei, tarado por bundas! mas eu atualizei faz dez dias... não é tanto assim...

agora até q não é falta de inspiração, mas de capacidade de finalização das coisas. tenho pastas cheias de textos não terminados. não consigo! não consigo!

Anônimo disse...

samir, samir... há textos e textos. nem sempre a repetição é danosa. até porque, neste caso específico, as bundas têm que abundar mesmo...

sobre as bundas, a visão delas quando a calça baixa etc. etc. etc. bem... o que dizer... impossível não olhar. hehehe

Anônimo disse...

"Essas calças sufocam a pobre bunda e a fazem parecer um pastel de forno que não deu certo."

Ótimo, Samir!
Perfeitas observações!
Beijo!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Pronto! Porcamente atualizado para atender aos clamores desse meu ávido leitor (que finge gostar do que lê).

Eliane! disse...

Samir!
ótimo esse texto!
tão ótimo que "as calças sufocam a pobre bunda e a fazem parecer um pastel de forno que não deu certo" estão me fazendo rir até agora!

muito bom, mesmo!

Gabriela Aerts disse...

Desde que nós não sejamos as bundas...