quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

The Passenger*

O ônibus era velho. Muito velho. Antes de embarcar, o motorista saiu com um martelo e testou a consistência dos pneus (que tinham quase o meu tamanho). “É uma medida de rotina”, pensei, tentando me confortar um pouco. Eram 17h30min e eu estava num lugar desconhecido. Minha única certeza era que dentro de uma hora, no máximo, estaria em casa. Ledo engano. Fiquei peregrinando entre paragens desérticas e totalmente inóspitas durante duas intermináveis horas.

Ao entrar, municiei-me com o mp3 e segui viagem acompanhado dos meus cantores favoritos. A bateria estava carregada e deveria durar um bom tempo – eu estava seguro. Podia até dormir um pouco. Cometi então o erro fatal dos que andam por lugares incógnitos: cochilei. Ao abrir novamente os olhos, estava numa estrada de chão onde mal havia espaço para um carro. Mais ainda, estava num morro. Subindo! Pela janela só se via poeira e vacas. Vacas e poeira. O veículo tremia como barriga de criança em consultório de dentista. Meu estômago tremia. Eu tremia.

Putz, será que peguei o ônibus errado? Será que estão me levando para Cacimbinhas do Sul ou qualquer um desses locais inexistentes que atormentam o pensamento dos andarilhos? Aliás, andarilho era o que não faltava naquele ônibus. E eu estava bem próximo da porta de embarque, logo, cada vez que alguém entrava (sim, havia também seres humanos naquela parte do mundo) eu era inundado pelo fluxo constante de poeira.

Já havia se passado uma hora e nenhum sinal da civilização por perto. As outras pessoas pareciam todas iguais. Com expressões apáticas e roupas humildes. As mãos e os pés calejados e os rostos pedregosos traziam a marca do trabalho encravada na pele. Pareciam mais fantasmas do que pessoas. Não consegui mais ouvir música. Estava vidrado naquele trajeto macabro que me conduzia a um destino incerto. Parecia que eu fazia parte de um livro de Stephen King, com direito a distorção da realidade e tormento psicológico.

Pois bem, após mais um tempo entre o barro e o pó, eis que surge a miragem. Ao longe, vejo uma faixa negra que corta – em linha reta, felizmente – a estrada com uma determinação ardilosa. Era o asfalto! Tudo bem que eu ainda assim não conhecesse a estrada. Mas era asfalto! Macio, retilíneo e comprido como todo asfalto. Sua extensão ultrapassava a linha do horizonte e me reconfortava imensamente. E continuou me reconfortando apenas por alguns minutos. Um pouco adiante, o pesadelo à la Stephen King recomeçou. O ônibus entrou em outra ruela de chão batido perturbadoramente igual às anteriores.

O celular estava sem sinal e eu estava sem paciência. Sem esperanças, também. Só queria ver alguma paisagem conhecida. Alguma casa familiar. Não sei quando, mas em algum momento entre 17h30min e 20h cheguei em casa. Cheguei à terrinha. Entrei na cidade por uma rua que sequer sabia que existia. Entrei por becos nunca explorados, virgens aos meus olhos de bicho assustado que retorna ao lar. O ônibus Citral da linha Taquara – Santo Antõnio estacionou na rodoviária e me devolveu ao chão e à realidade. Agora, esgotado e tão apático quanto os demais passageiros, eu só precisava de uma coisa. Não queria vomitar. Nem comer, apesar de estar enjoado e com fome. Queria apenas um banho!

* Qualquer alusão à musica do Iggy Pop não é mera coincidência.

9 comentários:

Rô Peixoto disse...

Qual a dificuldade de pegar um Unesul, hein?
Vai pegar um Citral!! Só tua cabeça!!! hahahaha

Beijos!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Nossa, que medo!

Liza Mello disse...

ai! uma homenagem à Cacimbinhas!!! hehehe

muito bom, muito bom!

iggy pop? mas tu tá ficando cool hein seu samir?!

Ana Bicca disse...

que aventura, hein???
adorei!
;**

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

mas samiiiiir
por que raios tu inventou de pegar um ônibus diferente???

beijo!

Liza Mello disse...

SAMIIIIIR

estou na loja da apple aqui de NYC! resolvi vir aqui no teu blog esnobar...hahahaha

(luana, outra hora eu etro o teu tb! gotta go!)

Ananda Etges disse...

liza mto chique hehehe
samir, bem coisa de férias se meter nessas viagens, né? eu uma vez fui pra sta maria num ônibus que virgi nossa!! hehe
beijo!!

Luana Duarte Fuentefria disse...

Mas que que a Liza tá enviando mensagem pra mim por aqui? hehe

Gente doida...

[e eu ainda prefiro a Argentina, bobona!]

Anônimo disse...

às vezes tenho vontade de entrar num ônibus qualquer e sair a esmo... ou, quando estou dirigindo numa estrada asfaltada, pegar uma entradinha qualquer de chão batido, dessas que, do nada, derivam do asfalto e levam pra paragens ermas. então, não é que tu vivenciaste parte dos meus planos. tirando o desconforto da dúvida, samir, isso tudo é substância.
:o)