segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Só para neuróticos (2)

Tudo começou naquela noite fria e sem graça de um sábado qualquer. A parada de ônibus estava deserta, bem como pareciam estar a rua e a cidade. A única coisa que se ouvia era o ruído áspero do vento e a conversa de dois seguranças mais ao longe, daqueles que atendem por logradouros e saem apitando pelos prédios.

Pois bem, nada da condução chegar. Espero... Mas alguém chega. Sinto cheiro de cigarro e penso “decerto não vai vir fumar ao meu lado!”. Era um senhor de mais ou menos 40 anos, baixinho e calvo.

- Que ônibus tu pega?

Ãhn?!? Era comigo que ele estava falando? Pra que falar? Qual a necessidade de abrir a boca naquele frio, naquele silêncio tão raro em Porto Alegre?

- Qualquer um que vá para a Cristóvão - respondi, contrariado.
- Eu pego o Anita/Rio Branco.
- Hum...

Não estava com o menor saco para conversar. Até porque, logo em seguida, o velho começou a falar de assalto. “Pronto”, pensei, “serei assaltado”. Qual a razão para falar de assalto numa parada deserta às 21h? Recusava-me a dar conversa. Moro na Capital há mais de um ano e nunca sofri uma abordagem sequer. Seria muito azar, justo numa ida ao caixa eletrônico, ser assaltado. Tudo o que eu tinha era um cartão bancário, duas fichas escolares e (droga!) meu celular. Uma série de pensamentos passou pela minha cabeça paranóica: “O cara é mais velho e mais baixo que eu, não tenho porque entregar meu celular. Posso sair correndo, posso bater nele.” Nessa hora, comecei a rir. Imaginei-me numa luta com o pequeno senhor e o riso foi inevitável.

- Hoje eu vou dançar!

Putz! O que foi que ele disse? Vai dançar? Que ótimo, assim me deixa em paz! E esse ônibus que não vem nunca. Bom, pelo menos parou de falar de assalto.

- Tu tens que aproveitar a tua juventude. Tem o que, 24 anos?

Era tudo o que eu precisava. Um conselho de alguém que eu nem conheço às 21h10min e que ainda me deixou uns cinco anos mais velho. Já estava afim de voltar pra casa. Dane-se o dinheiro.

- Pois é...
- A minha juventude é diferente da tua. Eu agora sou casado. Separado! – e fez questão de frisar a última palavra – ascendeu mais um cigarro.
- Hum...
- Por isso hoje eu vou dançar!

Já estava me sentindo ridículo. Olhando melhor, é claro que ele não iria me assaltar. Ainda estava na dúvida se era louco ou se, a qualquer momento, apareceria uma câmera e alguém gritaria “ahá, te peguei!”. Bom, como a segunda opção não aconteceu, nem o velho me pareceu deficiente mental, concluí que ele devia estar apenas feliz. É natural que pessoas felizes demais façam coisas ridículas (tipo anunciar a um estranho que vai dançar). Enfim, chegou meu Carlos Gomes/Salso. Antes de partir, o senhor ainda largou outro “Mas hoje eu vou dançar!” seguido de um cordial “Tchau, garoto!”

- Tchau, boa festa – respondi.

Entrei no ônibus vazio e pensei se era o velho que estava muito feliz ou eu que estava muito triste.

7 comentários:

Luana Duarte Fuentefria disse...

Então somos ídolos um do outro! Reciprocamente fãs!

Grande Samir Veríssimo!

Muito legal! Adoro esses acontecimentos que rendem história. Ainda mais quando a história é bem escrita.

Rô Peixoto disse...

Eu odeio conversas com desconhecidos... detesto que sentem do meu lado do onibus e puxem conversa! E eu lá quero saber quantas pedras tu tirou do teu rim????? AAhhh, vão se catar!

E calma, velhinhos só são felizes, e gostam de conversa... ou gostam que peguem a revista e não falem nada!!

Eu postarei!!!

Beijos!!!

Anônimo disse...

hahaha gente loca, mas eu tmbm odeio qndo alguem puxa assunto, sabe como sou educada hahahahaha
bjs

Carolina Tavaniello P. de Morais disse...

Ele tava feliz como muitos velhinhos que fazem o mesmo que ele: puxam assunto com jovens que não querem papo.
Velhinhos em geral sempre rendem boas histórias.
Beijos

Anônimo disse...

Há...pior...sempre vem uns...uma vez lá em curitiba eu escapei d ser assaltada pq o assaltante foi com a minha cara...disse q eu fui simpatica demais com ele e por isso não ia levar minha muchila...isso sim é gnt loka!!!

bjão

Anônimo disse...

Ô!!imaginei a cena...tu batendu no velinho...cara...nãnãnã!!
Mas hein...como será q foi a noite dele??será q rendeu?Pelo menos ele não levo uns golpes milenares né!!

Mtu tri as coisas q tu escreve...dsculpe por não ser tão boua assim e estragar o teu quadrinho d comentários!!

Anônimo disse...

Gostei da descrição ...era um senhor de uns 40 anos..." que foi completado por todos como sendo um velhinho aos 40!!!!! Santa juventude! Imaginem aos 80 e aos 90 anos. Os jovens são sempre os jovens. Nós, os velhinhos de 45, 50 e mais... agradecemos as considerações. hahahahaa
Valeu Samir li teus textos e são muito bem escritos, descrevem muito bem situações do cotidiano e da alma das pessoas.